Nasce a Agricultura Nutricional

 Agricultura Nutricional 

Uma Nova Proposta

 

A ciência biológica contemporânea caracteriza-se pelo estudo de áreas do conhecimento de forma totalmente isoladas e estanques. Assim, o Nutricionista desconhece como os alimentos que utiliza no seu trabalho diário são produzidos e usa, ainda hoje, tabelas de composição de alimentos totalmente velhas e ultrapassadas, desconhecendo o fato essencial, para o exercício da sua profissão, de que a composição química dos alimentos é uma função direta da fertilidade do solo.

E, a fertilidade do solo, pode variar de acordo com a época do ano, local, pluviosidade, composição química desse próprio solo, relevo, clima e principalmente com a atividade microbiológica desse solo.

O tipo de manejo agrícola, convencional quimicalizado com ênfase no N-P-K  ou Biológico, Orgânico, Ecológico, etc.. que enfatizam todos os elementos da Tabela Periódica assim como a microbiologia do solo que hoje sabemos ser responsável pela presença de metabólitos secundários, que incluem exatamente os princípios ativos vegetais considerados  nutracêuticos e/ou medicinais, também influem diretamente na composição dos vegetais.

Os alimentos foram feitos para alimentar as pessoas e os animais, ou pelo menos deveriam ter sido. Entretanto, com o advento do chamado Agronegócio, os alimentos hoje não passam de commodities ou seja, de moeda de troca ou ativos, cujo principal objetivo é o de ser trocado por moeda corrente, ficando a Nutrição, diga-se de passagem, em segundo plano. Eu já tive a oportunidade de escrever sobre esse aspecto anteriormente ( 3 ). Recentemente, o Bushel do Milho ( uma medida volumétrica americana padrão usada há séculos ) foi reduzido das tradicionais 56 libras para apenas 54 libras porque fica cada vez mais difícil para o milho transgênico atingir o peso padrão em virtude da sua menor densidade ( 11 ).

A palavra “cultura” vem do latim cultura ou culturae, uma forma de colere, que significa cultivar o solo e suas criaturas, animais, plantas, fungos e bactérias. Hoje, na produção de alimentos, o termo “cultura” , de agri-cultura, foi substituído por “negócio”.

A cultura, entretanto, foi o que nos tornou seres humanos civilizados. Cultura significa a totalidade de tudo que nós, seres humanos, queremos passar de geração a geração em termos de linguagem, literatura, música, arte, conhecimento científico, crenças assim como a culinária e as práticas agrícolas sustentáveis. Por outro lado, o único objetivo do chamado Agronegócio é única e exclusivamente o lucro.

Hoje em dia não deve ser mais novidade para ninguém que o Agronegócio sequestrou a nossa civilização com todo um processo de produção de alimentos vazios e obesogênicos. Onde quer que você vá, poderá observar o que Manning chamou de Sociedade Obesogênica  ( 9 ) com pessoas de aspecto “extrusado”, resultado do consumo de alimentos de baixíssima qualidade nutricional.

 

O médico, da mesma maneira, pouca informação dispõe sobre como foram produzidos e quais nutrientes esses mesmos alimentos contém ou deveriam conter e desconhece que efeitos diretos e indiretos as substancias químicas, utilizadas nessas lavouras, teriam sobre seus pacientes. Hoje, igualmente, é reconhecido que alguns agrotóxicos usados na Agricultura são apontados como sendo a origem de inúmeras das chamadas doenças modernas. Também já tive oportunidade de escrever e de palestrar sobre isso ( 4, 5 ).

O conceito de dividir para governar ou dividir para reinar foi pela primeira vez usado pelo Imperador romano Cesar (divide et impera) e depois por diversos outros conquistadores como Napoleão e tem se mostrado bastante eficiente no que diz respeito ao controle de populações. O conceito refere-se a uma estratégia que tenta romper as estruturas de poder existentes e não deixar que grupos menores se agrupem.

É um conceito muito usado até hoje na política e tem sido esse conceito basilar que mantém as diversas áreas do conhecimento sem a devida comunicação entre si e de forma totalmente estanque.

Em todas as áreas da ciência, mas notadamente na Medicina, estimula-se o “Especialismo”, ou seja, sabe-se cada vez mais sobre cada vez menos. O médico Dr. David Perlmutter, no seu excelente livro Amigos da Mente, afirma que “todo o campo da Medicina se caracteriza por disciplinas separadas, divididas por parte do corpo ou sistemas individuais” e ”é um ponto de vista completamente desconectado da ciência atual” ( 1 ).

Esse aspecto fragmentado da ciência, aparentemente correto, de se lidar com as diversas áreas do conhecimento, ao invés de formar as pessoas, faz com que indivíduos cada vez mais desinformados, sejam alçados a posições-chave na estrutura técnico-científica da nossa sociedade.

O “Especialismo” ao invés de formar indivíduos cada vez mais letrados e eruditos, só está gerando cada vez mais alienação científica e desinformação e , portanto, deformando os cientistas.

Essa simples constatação pode elucidar muito do que acontece, hoje em dia, onde a Ditadura Científica reina absoluta sobre todos os demais poderes.

Teoricamente, as democracias estariam alicerçadas nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, porem a Academia conseguiu elevar o seu poder acima de todos os demais poderes porque será ela quem, em ultima analise, irá opinar sobre todo e qualquer assunto, problema ou sobre o que é “certo ou errado”. A Academia detém esse poder e o exerce de forma ditatorial.

Tente veicular qualquer opinião ou ponto de vista divergente do pensamento oficial acadêmico e conhecerá esse poder ao qual me refiro. Charlatanismo será o adjetivo mais brando que irá receber dessa classe de indivíduos que, as vezes, acham que estão até mesmo acima de Deus.

Podemos traçar um paralelo entre o desenvolvimento do “Especialismo” com o desenvolvimento das mega empresas do ramos da Agricultura/Nutrição/Medicina. Afinal de contas, as mega empresas usam a Ditadura Científica a seu favor no momento em que contratam e mantém as pessoas que foram tituladas e que supostamente seriam os repositórios oficiais do saber, para validar as suas tecnologias e seus produtos, muitas vezes com consequências desastrosas para toda a humanidade, como no caso do Glifosato na Agricultura, dos alimentos transgênicos, no caso da mentirosa relação entre gorduras saturadas e doenças coronarianas, da falácia do leite como fonte de Cálcio, na Nutrição e Medicina e até mesmo a liberação de medicamentos com efeitos prejudiciais como o Vioxx, e outras 181 drogas retiradas do mercado, por terem efeitos reconhecidamente nocivos a saúde humana após terem sido aprovadas pelas agencias regulatórias ( 8 ). Todos eles recebem ou receberam o beneplácito da Ditadura Científica.

Ao manter o conhecimento em espaços estanques, conseguem de maneira eficaz fazer o que Cesar e Napoleão preconizavam, ou seja, dividir para governar, e com isso manter o absoluto controle sobre a sociedade atual.

Foi Hipócrates, o médico grego que seria o pai da Medicina moderna, quem primeiro afirmou ainda no século III A.C. que “todas as doenças começam no intestino”, muito antes de termos qualquer prova ou teoria que explicasse essa idéia.

Nessa época, nem mesmo a existência das bactérias era conhecida, até que Leeuwenhock, fez suas próprias observações e pode constatar a existência de organismos os quais ele chamou de animalculos, como anteriormente informado ( 2 ).

Esse foi realmente o pai da microbiologia, muito embora Pasteur, o mesmo que deu inicio a microbiofobia e que possibilitou a criação das diversas empresas que hoje exibem mais poder e força do que muitos países e que se situam acima desses mesmos países e governos, seja o mais reverenciado como sendo o criador da microbiologia.

Entretanto, foi o biólogo russo Élie Mechnikov, ganhador do Prêmio Nobel, quem primeiro traçou um vínculo direto entre a longevidade do homem e um equilíbrio saudável das bactérias intestinais, afirmando que a morte começa no cólon”.

         Com a recente constatação de que nós humanos seríamos “donos” do DNA de apenas 10% do do total de células existentes no nosso corpo ( 6 ) vem a tona a seguinte pergunta : Qual das atuais áreas do conhecimento humano teria o especialista responsável por esse terreno que diz respeito a 90% das células existentes no nosso corpo ?

Os Médicos ? Com certeza que não. Até hoje eles não estão nem um pouco interessados nessa seara. A maioria nem mesmo conhece esses números. Existem raríssimas e honrosas exceções como o Dr Perlmutter ( 1 ).

Os Microbiologistas ? Duvido muito. Esses sofrem de uma deformação cultural e científica, já anteriormente abordada, que os impedem de ver a convivência benéfica compartilhada desses organismos ( 2 ), e uma certa tendência “de berço “ a considerar toda bactéria como uma coisa maléfica e nociva.

Os Nutricionistas estariam entre os profissionais que mais se interessam por esse campo mas, de novo, falta-lhes o necessário cabedal no que diz respeito a inter-relação que existe entre o solo, as plantas, o microbioma intestinal e a saúde das pessoas e dos animais.

A grande e inegável verdade é que a origem da nossa saúde está, e estará sempre, ligada ao solo. Esse mesmo solo que o Agronegócio insiste em tratar como um suporte inerte que irá depender sempre de fertilizantes químicos para produzirem commodities e não alimentos para nutrir as pessoas e os animais.

Qual seria então o profissional responsável pelo nosso Microbioma Intestinal ?

Seriam necessários sólidos conhecimentos sobre o solo e a sua microbiologia. Afinal de contas esses microrganismos benéficos ao nosso organismo tem sua origem no solo e no meio ambiente, e na sua inter-relação com as plantas. Teria que ter a exata noção do que vem a ser Humus, a base da fertilidade perpétua e alimento da microflora do solo, sobre os minerais que o constituem e sobre a sua importância na nutricão das plantas, animais e seres humanos.

E finalmente, esse profissional,  deveria conhecer como as lavouras são conduzidas para que exibam a maior densidade nutricional possível pela utilização de ferramentas do sistema biológico de cultivo como Compost Tea, Extratos de Algas solúveis, Humatos solúveis, Hidrolizado de Peixe, Bactérias Benéficas específicas multiplicadas, e serem capaz de escolher as melhores frutas e hortaliças para serem consumidas com o auxílio da medição do Brix desses produtos.

O que nós precisamos, dada a importância da Microbiota Intestinal, é de um profissional que se dedique exclusivamente a cultivar esse “jardim ou horta” que existe dentro de nós. E para fazer isso terá que ter conhecimentos sólidos baseados em ciência real, e não em meias verdades, que transcendam a uma única formação acadêmica formal e totalmente desvinculada do atual conhecimento atrelado, cooptado e ditado pelas empresas supranacionais.

Seria interessante que tivessem igualmente conhecimento das dietas tradicionais dos diversos povos, principalmente daqueles cujas populações tenham uma maior porcentagem de indivíduos centenários e que sempre privilegiaram os alimentos fermentados como Leite e Queijos Fermentados e Manteiga (ou Ghee) oriundos de leite de gado à pasto, ácidos graxos saturados (como Óleo de Côco), ácidos graxos Monoinsaturados (Azeite de Oliva), Fontes naturais de EPA e DHA, vegetais, frutas e  grãos fermentados e que respeitem todos esses organismos não só como nossos ancestrais mais sim como uma força co-evolucionária que existe dentro de nós (10).

Portanto, é proposta a criação de uma nova disciplina que poderá fazer parte de cursos de Nutrição, Agronomia, Medicinas Veterinária e Humana e Zootecnia, que possibilite que esses profissionais tenham uma visão ampla da origem da saúde do solo, das plantas e dos animais e das pessoas e que essa formação lhes possibilitem fazer a união entre os diversos ramos do conhecimento humano, há muito tempo perdida pela compartimentalização do conhecimento imposta pela Ditadura do Conhecimento.

Não podemos nos esquecer, afinal de contas, que a Inteligência Artificial é um espectro que ameaça toda e qualquer profissão que tenha abrangência muito restrita como o Especialismo tem propiciado e, sendo assim, no futuro, quando mais eclética for a sua formação tanto melhor serão as suas chances de sucesso, em um mercado de trabalho , espera-se, cada vez mais restrito.

Aos computadores serão destinadas todas as funções passíveis de serem executadas por advogados, médicos, engenheiros e até mesmo nutricionistas. O computador médico Watson já provou ter mais acertos em diagnósticos do que médicos humanos, justamente porque foi alimentado com informações de todas as áreas da Medicina incluindo as medicinas alternativas como Ayurveda, Quiropraxia, Osteopatia, Homeopatia e outras.

 O futuro acena para o ecletismo e não para a especialização. Estejam preparados para a revolução da informática, que irá finalmente depor a Ditadura do Conhecimento.

Caso alguém ainda não saiba, essa revolução já começou.

 

José Luiz Moreira Garcia

Texto revisto em Janeiro de 2019

Anteriormente publicado no Blog

http://www.institutodeagriculturabiologica.or

 

 

      Referências

  1. Perlmutter, David., M.D. (2015) Amigos da Mente, Nutrientes e Bactérias que vão curar e proteger seu cérebro, Editora Paralela, 341 pgs.
  2. Garcia, J.L.M. ( 2017 ) Contaminação e Eugenia Microbiológica, Blog do I.A.B., https://institutodeagriculturabiologica.org/2017/07/12/contaminacao-e-eugenia-microbiologica/
  3. Garcia, J.L.M. ( 2015 ) O Papel da Agricultura na Nutrição Humana, Blog do I.A.B., https://institutodeagriculturabiologica.org/2015/05/06/o-papel-da-agricultura-na-nutricao-humana/
  4. Garcia, J.L.M. ( 2017) GLIFOSATO, Blog do I.A.B., https://institutodeagriculturabiologica.org/2017/01/19/glifosato/
  5. Garcia, J.L.M. ( 2017 ) Glifosato – Um caminho para as Doenças Modernas ? , Blog do I.A.B., https://institutodeagriculturabiologica.org/2017/03/24/792/
  6. Collen, Alanna ( 2015) 10% Human , Harper Collins Publisher, N.Y. , 325 pgs.
  7. Garcia, J.L.M. 2015) O Alto Custo de um Sistema Agricola Falido, Blog do I.A.B., https://institutodeagriculturabiologica.org/2015/05/05/o-alto-custo-de-um-sistema-agricola-falido/
  8. Wikipedia (2017) List of Withdrawn Drugs https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_withdrawn_drugs
  9. Manning, Richard (2004) Against the Grain, North Point Press, New York, 232 pgs.
  10. Katz, E.K. (2012) The Art of Fermentation, Chelsea Green Publishing, Vermont, 498 pgs.
  11. Huber, Don (2016) Comunicação Pessoal, ACRES USA Conference 2016, Omaha, NE, Dezembro de 2016.

 

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O Pão Nosso de Cada Dia

      

                                            A Bastardização dos Alimentos 

Desde a época em que trabalhei como pesquisador na Seção de “Matéria Prima” do Instituto de Tecnologia de Alimentos de Campinas, nas décadas de 70 e 80, que eu achava muito estranha aquela visão puramente industrial de se conceituar os alimentos. Naquela visão industrialista, os alimentos na sua forma natural não passavam de meras, e por conseguinte desvalorizadas, “matérias primas” destinadas a produzir, na visão míope daquela época, um alimento “superior” industrializado, padronizado, massificado, mas porém, desvitalizado e, por isso mesmo, bastardizado.

Na década de 80, o bacana era alimento industrializado. Sucos de fruta com reduzido valor nutricional, “leite” de soja alergênico, leite longa vida UHT totalmente desprovido de suas enzimas e vitaminas, carnes embutidas e conservadas repletas de sódio e de nitratos cancerígenos, frutas em calda ou em forma de doces de corte repletos de açúcar e por conseguinte obesogênicos, margarina com óleos ômega-6 pro-inflamatórios e gordura trans, mas vendidas como “boa para o coração” até com o aval, que eu duvido que tenha sido de maneira desinteressada, da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Vivíamos a época da “fortificação” dos alimentos, ou seja, removia-se todos os minerais e vitaminas no processo de beneficiamento dos grãos e depois “inteligentemente” se adicionava ferro numa forma inorgânica de baixa absorção pelo organismo e que contribui ainda mais para o problema da sobrecarga férrica ou Iron Overload, além de acido fólico também em uma forma inexistente nos alimentos e que hoje sabemos fazer mais mal do que bem, posto que está em uma forma não metilada e, portanto, não natural.

Jamais foi, por aqueles senhores que fundaram o ITAL, reconhecido o fato incontestável e cristalino que, nem com toda a nossa imensa tecnologia disponível, nem mesmo com a tecnologia disponível hoje em dia, a industria de alimentos seria capaz de melhorar a qualidade de qualquer alimento pelo processamento desses mesmos alimentos. Jamais em tempo algum. Ponto final.

Quando muito, o processamento poderia manter a qualidade, aumentar a vida de prateleira, e até maximizar os lucros evitando perdas desnecessárias mas sempre as custas da diminuição da qualidade original desses mesmos alimentos, até o ponto deles se tornarem meras sombras daqueles alimentos originais e o maior exemplo desse processo todo seria o pão, conforme bem lembrado pelo meu amigo e colega Graeme Sait em seu ultimo artigo ( 1 ).

A grande realidade, que muitos ainda se recusam a ver, é que nós humanos, apesar de todas as conquistas tecnológicas, ainda somos os mesmos homens da caverna de cerca de 330 gerações atrás, que viviam da caça e da coleta de alimentos e que depois evoluíram para o cultivo e a coleta de cereais. Estamos programados geneticamente e evolutivamente para consumir alimentos de preferência frescos, não processados, diretamente da sua fonte e que, voltar a consumir alimentos com essas características, pode ter um efeito regenerativo muito grande no nosso organismo.

O PÃO NOSSO DE CADA DIA

Alguém ainda tem alguma dúvida de que essa “coisa “ vendida nas padarias brasileiras sob o rótulo de “pãozinho francês”  é apenas uma sombra do que foi o pão verdadeiro imortalizado até na oração católica, O Pai Nosso, deixada para todos nós por Jesus Cristo ?

Como é possível conceber, que o alimento que serviu de base para a humanidade, seja hoje um alimento proscrito por ser causador de “intolerâncias”  alimentares  e ser apontado como um vilão alergênico e obesogênico ?

Quem imaginaria que o sagrado “pão nosso de cada dia” chegaria a ser tão difamado e tão denegrido ?  Até ler o artigo do Graeme Sait, eu ainda não tinha pensado nessa hipótese, mas parte da resposta talvez esteja mesmo na chamada “Revolução Verde” e a outra parte na forma de como o pão é feito hoje em dia.

Não é novidade para ninguém que hoje nós vivemos mergulhados, por assim dizer, em um oceano de doenças inflamatórias e degenerativas, a grande maioria das quais perfeitamente reversíveis pela dieta. Existem estudos que demonstram que mais de 70% daquilo que nos torna doentes ou nos mata tem origem na nossa alimentação.

Isso não chega a ser novidade para ninguém. O famoso provérbio de que “você é aquilo que come” ainda continua válido depois de tanto tempo.

Quando nós transformamos uma farinha integral em refinada, nós removemos cerca de 80% do valor nutritivo desse alimento. O pão nesse contexto se transforma em um anti-nutriente.

Um dos processos que requerem mais energia no corpo humano é o processo digestivo, ou simplesmente a digestão e esse processo é movido a nutrientes. Quando um alimento com uma quantidade de nutrientes tão baixa é fornecida ao corpo, e esse alimento ainda precisa ser digerido, pode ocorrer o que é conhecido como perda liquida ( net loss ) de nutrição, que ocorre quando a quantidade de energia que entra no sistema é inferior a quantidade de energia produzida no final do processo. O balanço energético, nesse caso,  é negativo.

UM MUTANTE DESMINERALIZADO

A bastardização do pão ancestral, que proporcionou o surgimento da humanidade como nós a conhecemos hoje em dia, começou, ao que tudo indica, com a controvertida “Revolução Verde”. Norman Bourlag, seu idealizador, selecionou híbridos que não cresciam muito para que pudessem receber maior quantidade de fertilizante e com isso produzir mais, sem que as plantas tombassem ( “acamamento”), o que era uma característica das plantas de trigo pré Revolução Verde.

Ocorre que, para isso, ele não recorreu aos métodos tradicionais de cruzamento para produzir sementes híbridas mas irradiou as sementes das variedades tradicionais e selecionou mutantes que hoje se tornaram as variedades consumidas por todos nós. Esse trigo mutante de menor estatura, solucionou o problema de perda de produção ligadas as dificuldades na colheita daquelas plantas que “acamavam”                  ( tombavam) devido ao seu tamanho e sob o efeito do vento.

Entretanto, esse aumento de produtividade ocorreu as custas de perdas na densidade nutritiva dos grãos de trigo. Sait cita que as variedades de trigo consumidas hoje em dia absorvem menos 50% de Ferro, menos 30% de Cálcio e Magnésio e 20% menos microelementos do que os trigos varietais originais de polinização aberta ( 1 ). Esse mesmo quadro também ocorre entre as variedades híbridas de milho e isso já era sabido desde a década de 30.

Porém, existe um mineral que esse cereal nutricionalmente comprometido não consegue mais absorver. Esse mineral é justamente um elemento raramente considerado em programas de fertilidade e adubação de gramíneas, ou seja, o cobalto.  Por menos importante que isso possa parecer, o cobalto é o elemento central de uma importante vitamina, a B12 . Uma das principais razões da maioria de nós hoje sermos carente dessa vitamina é devido a ausência de cobalto no nosso alimento mais consumido.

                              QUEM PRECISA DESSA “TECNOLOGIA” DE ALIMENTOS ?

          Os três únicos ingredientes do pão tradicional seriam, fermento natural, farinha de trigo e sal.

Entretanto, hoje em dia, a maioria das padarias usam as chamadas “misturas prontas” que podem conter entre outros, leite em pó, vários tipos de gorduras vegetais, farinha de soja, açúcar, enzima alfa-amilase, e vários tipos de conservantes químicos e “melhoradores” de farinha, um eufemismo para designar alguns tipos de ingredientes químicos exóticos como azodicarbonamida (ADA), que é também um dos ingredientes na fabricação de plásticos (PVC). Essa substância, a ADA, foi removida de todos os produtos de diversas cadeias de fast food americanas devido a sua má reputação, mas no Brasil ainda é amplamente usado. Desde 2005 essa substância foi banida pela União Européia e pela Australia para a fabricação de plásticos cujos usos incluem contato direto com os alimentos.

Quem vocês acham que é um dos principais produtores de azodicarbonamida (ADA) ou aditivo 927a ou ainda aditivo “melhorador” de farinha INS 927a ?

Acertou quem respondeu:  A empresa Novozymes que faz parte do grupo Monsanto!

Obviamente, não temos outra alternativa, a não ser desconfiar, quando vemos um portal, supostamente informativo defendendo o uso do ADA , como o site do médico Global, Drauzio Varela, mantido pela UOL, que garante que esse produto, banido em vários países (reconhecidamente causador de alergias alimentares, e proibido na Australia por causar Hiperatividade, Asma, Urticaria, Insônia e Distúrbios no metabolismo da Vitamina E) não faria mal a sua saúde.

Dessa forma, esse seria ainda um motivo a mais para entendermos que esse produto químico deva fazer exatamente o oposto do que é apregoado nesse portal de aluguel ( 3 ).

COMPROMETENDO MINERAIS IMPORTANTES E ENZIMAS PRECIOSAS

As duas maiores carências de minerais do mundo ocidental são de Magnésio e Zinco e é importante entender as causas subjacentes dessas carências generalizadas. Existe uma grande correlação entre o consumo de cereais, o consumo excessivo de pães e a carência de zinco e magnésio. Cereais e grãos contem um ácido natural chamado ácido fítico que se liga fortemente a esses dois minerais tornando-os inaproveitáveis pelo corpo humano. Os compostos formados, fitato de magnésio e fitato de zinco são insolúveis e são geralmente excretados, ao invés de serem absorvidos e aproveitados pelo corpo humano. É importante ressaltar que o ácido fítico é um componente natural de grãos e cereais e que a soja contém a maior quantidade desse composto natural entre todos eles. Os fitatos também são capazes de bloquear a absorção de Cálcio, Ferro, Cobre além de Zinco e Magnésio.

Outro fator que compromete a nutrição adequada é a existência de inibidores enzimáticos tanto nos grãos quanto nos cereais. A menos que os grãos e cereais sejam devidamente preparados para serem consumidos, por meio da neutralização dos fitatos e dos inibidores enzimáticos, esses anti nutrientes irão interferir na necessária absorção dos minerais.

A melhor estratégia para neutralizar esses anti nutrientes nos grãos e cereais seria por intermédio da Pré-Germinação (Hidratação) e da Germinação propriamente dita. Ao serem colocados em contato com a umidade (água), os Lactobacillus que fazem parte da flora normalmente encontradas nesses alimentos se multiplicam, além de permitir que as enzimas e outros organismos benéficos, como as Leveduras, degradem e neutralizem grande parte do ácido fítico contido nos grãos.

A ação dessas enzimas também aumentam a quantidade de várias vitaminas do complexo B. Durante o processo de hidratação e fermentação, o glúten e outras proteínas difíceis de digerir são parcialmente “quebradas” em componentes mais simples de serem digeridos.

Podemos listar 10 bons motivos para hidratar e germinar grãos, cereais e nozes antes de consumi-los :

  1. Remover ou reduzir o ácido fítico.
  2. Remover os taninos.
  3. Neutralizar os inibidores enzimáticos.
  4. Aumentar a produção de enzimas benéficas.
  5. Aumentar as quantidade de vitaminas, especialmente do Complexo B.
  6. Degradar o glúten e facilitar a digestão.
  7. Tornar as proteínas mais prontamente disponíveis para a absorção.
  8. Prenevir deficiências minerais e perda óssea.
  9. Neutralizar toxinas no cólon e mantê-lo limpo.
  10. Prevenir várias doenças e condições de saúde.

Nesse esse ponto vocês já devem estar se perguntando se existiria uma forma segura de consumir pão ?  A resposta é sim. Ela existe. E é por isso que de agora em diante vocês irão presenciar um aumento significativo de padarias artesanais destinadas a produzir o pão artesanal de fermentação natural ou chamado sourdough bread.

Esse é o verdadeiro pão. Qualquer outro tipo industrializado não passaria de uma versão “Fake”, ou mais um Fake Food, como é o caso do “pãozinho francês “.

Os próbioticos que trabalham ativamente na fermentação da massa do pão artesanal não somente predigerem a farinha dos grãos de trigo para aumentar a sua biodisponibilidade, mas eles também consomem e neutralizam o ácido fítico.

Aveia, por exemplo, não deveria ser consumida crua sem hidratação ou sem pré fermentação. O excelente livro da Sally Fallon traz inúmeras receitas de como consumir grãos e cereais, eliminando os chamados fatores anti nutricionais ( 4 ).

Como inóculos podemos lançar mão de produtos fermentados vivos como por exemplo o FloraNew ( ANew) ou até mesmo capsulas de Lactobacillus.

UM ALIMENTO ACIDIFICANTE QUE ENCURTA A VIDA

O nosso equilibrio entre acidez e alcalinidade é muito mais importante do que muitos imaginam. Esse tema foi trazido a tona pela primeira vez por Carey Reams, carinhosamente chamado de “Doc “ por quem o conheceu ( 5 ). Na verdade ele foi a criador da agricultura que hoje é conhecida como “Biological Agriculture” com a sua “Teoria da Ionização” e influenciou toda uma geração de consultores que ajudaram a criar o que hoje é conhecido por Agricultura Biológica ou Regenerativa.

Embora o status quo médico irá lhe dizer que o sangue tem um sistema de auto ajuste do pH, o assunto da acidez metabólica é uma história completamente diferente e hoje, após 40 anos de RTBI (Reams Theory of Biological Ionization), nós temos um volume muito grande de evidências clinicas e de pesquisa que demonstram que a acidez da saliva e da urina são fatores pre determinantes no surgimento de diversas doenças, e não o pH do sangue que sempre vai estar em homeostase.

Ambos fluidos corpóreos, saliva e urina, devem ter idealmente um pH de 6.4 , pela manhã e a maioria das pessoas estão muito acidas, com pH geralmente em torno de 6.0, se avaliadas por esse parâmetro.

Existem vários fatores causadores dessa epidemia de acidez tais como, stress, baixo consumo de frutas e hortaliças, consumo excessivo de proteínas, deficiência do mineral mais alcalinizante, que é o Magnésio, e uma abundância e consumo exagerado de carboidratos refinados, sendo que, os mais acidificantes seriam o açúcar e o pão.

E como o Brasil é o país da piada pronta, o chamado “Pão Francês” só existe por aqui mesmo sendo totalmente desconhecido na França da forma como ele é feito aqui nas terras tupiniquins.

O pão convencional “francês” é um alimento altamente acidificante que, de quebra, quelatiza o mineral mais alcalinizante, o Magnésio, que também é um dos maiores aliviadores de stress que existem ( 2 ). Essa é a razão dos sucos verdes que contém clorofila, e por conseguinte magnésio, serem bastante usados com a finalidade de reduzir a acidez e é por isso mesmo que são tão eficientes.

                        A SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA : FAÇA O SEU PRÓPRIO PÃO !

Algumas vezes se quisermos recuperar a nossa própria saúde, isso irá requerer algum esforço e dedicação. Fazer o nosso próprio pão seria uma das forma de nos livrarmos de uma só vez de toda essa contaminação diária de glifosato usando farinha de trigo orgânica, de nos livrarmos de um alimento acidificante cujo balanço energético é proximo de negativo, cheio de contaminantes químicos, incluindo o Azodicarbonamida, ou INS 297a e, ainda por cima, de um ladrão de minerais essenciais como zinco e magnésio.

O pão ficaria ainda melhor se pudéssemos utilizar o Spelt que é um parente ancestral do trigo e que nunca foi manipulado geneticamente. Ele contém mais proteína que o trigo e é um dos raros cereais que possui ação alcalinizante no nosso corpo. O spelt é muito mais denso em nutrição que o seu primo mutante e contém uma quantidade significativa menor de  gluten. Tudo de bom em um único cereal e ainda pode se transformado em pão.

Fica aqui, então, a dica para os agricultores mais imaginativos e inovadores para cultivar o Spelt. E para finalizar eu lembro as palavras de Graeme Sait quando disse : “ Não é difícil escapar de alimentos bastardizados, mas é uma estratégia essencial se quisermos sobreviver nesse mundo comoditizado”. A porcentagem de alimentos industrializados no seu carrinho de supermercado é geralmente um indicativo da sua saúde e longevidade. Nós fomos projetados para consumir alimentos frescos e integrais e se abraçarmos o caminho da alimentação natural, é inevitável que comecemos a ter uma idéia exata dos alimentos como medicinais.

José Luiz M Garcia

Setembro de 2018.

 

REFERÊNCIAS

  1. Sait, Graeme (2018) The Bastardization of our Food – The Daily Bread Story ,

https://blog.nutri-tech.com.au/the-bastardisation-of-our-food/

2. Dean, Carolyn (2007) The Magnesium Miracle, Ballantine Books, N.Y., 309 pgs.

3. Azodicarbonamide 927a.https://noshly.com/additive/927a/flour-treatment-agent/927a/

4. Fallon, S. & M. G.Enig ( 2001) Nourishing Traditions, New Trends Publishing Inc,  Washington, D.C., 674 pgs.

5. Reams, Carey (1978) Chose Life or Death: Reams Biological Theory of Ionization, New Leaf Press Inc., 176 pgs.  http://groenning.de/download/choose_life_or_death_rbti_carey_reams.pdf